O malandro por excelência (ou o mané que se acha malandro por excelência?). Branco, sardento o oposto de Clara. Tinha uma condição socioeconômica um pouco mais confortável que a família dos Anjos, mas também estava no subúrbio. Carregava seu violão para onde fosse, conquistava e deflorava moças e senhoras casadas. Era perseguido pela polícia e por muitos maridos e famílias traídos.
Desde o início, o narrador deixa extremamente clara sua posição em relação a Cassi. Isso se faz através da escolha lexical, da forma com que as situações são retratadas e até mesmo por comentários e julgamento de valor explícitos feitos pelo narrador.
“Era Cassi um rapaz de pouco menos de trinta anos, branco, sardento, insignificante, de rosto e de corpo; e, conquanto fosse conhecido como consumado ‘modinhoso’”
Cassi Jones é caracterizado como um violeiro muito do vagabundo, criador de galos de rinhas, agiota, apostador e, acima de tudo um sedutor e um deflorador (lembrando que, no Rio de Janeiro do início do XX, sedução e defloramento eram crimes). Apenas por essas atividades cotidianas do moço, qualquer um já poderia adivinhar exatamente o tipo humano que ele representa. Mas, além disso, o narrador também ilustra com riqueza de detalhes sua formação escolar deficiente (ignorante, falta de modos, escrita sofrível, expulso do colégio)
“A mórbida ternura da mãe por ele, a que não eram estranhas as suas vaidades pessoais, junto à indiferença desdenhosa do pai, com o tempo, fizeram de Cassi o tipo mais completo de vagabundo doméstico que se pode imaginar. É um tipo bem brasileiro. “
Com seu modus operandi sedutor, Cassi investe somente em mulheres pobres e sem influência ou poder, mulheres que estão desamparadas pela sociedade e pela lei. Esse rapaz é caracterizado como alguém incapaz de amar ou ter afeto por outro ser humano
“sua natureza moral e sentimental era sáfara e estéril. A seus pais e às suas irmãs, não o prendia nenhuma dose de afeição, por mais pequena que fosse. [...] aos treze anos, o filho completamente viciado, fumando às escâncaras, mal lendo, aos gaguejos, e escrevendo ainda muito pior. “
Desde cedo, Cassi coleciona casos escandalosos e trágicos – para suas vítimas, veja bem – sem nem ao menos sentir remorso ou culpa por suas ações.
“um dia, de revólver em punho, furioso, fora de si, louco, totalmente louco, penetrava na casa e alvejou a mulher com dois tiros de revólver, de cujos ferimentos veio a morrer horas depois. Após ter alvejado mortalmente a mulher, correu em perseguição de Cassi, que, descalço, de calças e em mangas de camisa, saltava cercas e muros, para se pôr fora do alcance do marido indignado.”
Apesar da insignificância física, intelectual e moral de Cassi, ele ainda assim consegue ser extremamente chamativo e sedutor para mulheres. O seu charme, porém, não é capaz de convencer a todos e logo Marramaque, padrinho de Clara dos Anjos, se impõe como um adversário feroz do rapaz em seus intentos, uma vez que este senhor conhecia os meandros e os tipos da vida boêmia e desejava proteger sua afilhada.
O narrador, sempre detalhista sobretudo no que se trata de Cassi, expõe a estratégia de guerra do rapaz quando se sente inclinado a seduzir alguma moça. Perceba que, mesmo aí, o narrador de terceira pessoa evidencia a frouxidão de caráter de Cassi, buscando, quem sabe, ridicularizá-lo aos olhos do leitor.
“Se na sedução, propriamente, ele não empregava absolutamente força, no que era o contrário dos conquistadores suburbanos, a ponto dos jornais noticiarem, de quando em quando, o desespero das vítimas que se fazem assassinas, para se defenderem de tão torpes sujeitos; Cassi, entretanto, quando no decorrer de suas conquistas, encontrava obstáculos, fosse mesmo da parte do próprio irmão da vítima em alvo, logo procurava empregar violência, para arredá-lo.” (grifos nossos)
“A sua força de valente e navalhista era mais fama do que realidade; mas tinha fama, e muitos se intimidavam. Dava-lhe isso um ascendente sobre os que, de boa-fé e honestamente, podiam prevenir as moças que ele cobiçava, não as prevenindo, não as avisando, não o desmascarando totalmente. Cheios de temor, deixavam o caminho franco ao modinheiro.” (grifos nossos)
Uma grande marca de Cassi Jones e excepcional falha de caráter é sua incapacidade de sentir-se ou participante dos reveses causados às moças por relacionarem-se com ele.
“[...] a consideração de que não empregava violência nem ato de força de qualquer natureza, ele, na sua singular moral de amoroso-modinheiro, não se sentia absolutamente criminoso, por ter até ali seduzido cerca de dez donzelas e muito maior número de senhoras casadas. Os suicídios, os assassínios, o povoamento de bordéis de todo o gênero, que os seus torpes atos provocaram, no seu parecer, eram acontecimentos estranhos à sua ação e se haviam de dar de qualquer forma. Disso, ele não tinha culpa.” (grifos nossos)
Um ponto alto dessa isenção moral e ética é a cena em que Inês o reconhece no Rio de Janeiro e lhe conta sobre a existência de um filho. Ao saber que tem um filho e que essa criança já se encontra na marginalidade e na criminalidade, ele apenas pensa em sair do lugar onde está e parar de ser assediado pela situação. Não há a descrição de nenhum pensamento de culpa, de tristeza, de preocupação, nada. Aliás, segundo o narrador, ele não pensou em nada relacionado a isso.
“- Você sabe onde "tá" teu "fio"? "Tá" na detenção, fique você sabendo. "Si" meteu com ladrão, é "pivete" e foi “pra chacr’a". Eis aí que você fez, "seu marvado", "home mardiçoado". Pior do que você só aquela galinha-d'angola de "tua" mãe, "seu" sem-vergonha! [...] É uma "marvada", essa mãe dele - uma "véia" cheia de "imposão" de inglês. Inglês, que inglês...
E a pobre negra abaixou-se para apanhar a barra da saia enlameada, a fim de enxugar as lágrimas com que chorava o seu triste destino, talvez mais que o dela, o do seu miserável filho, que, antes dos dez anos, já travara conhecimento com a Casa de Detenção...
- Acontece cada uma! Para que havia de dar esta negra... Felizmente, foi em lugar que ninguém me conhece; se fosse em outro qualquer - que escândalo! Os jornais noticiariam e... Não passo mais por ali e ela que fosse para o diabo!... Fico com o dinheiro em casa.
Nenhum pensamento lhe atravessou a cabeça, considerando que um seu filho, o primeiro, já conhecia a detenção...” (grifos nossos)
Ainda nesse bolo de isenção de culpa, moral e ética, citamos todo o processo complexo, demorado e dispendioso de corrupção moral de Meneses. Porém, o paroxismo da incapacidade de Cassi em sentir culpa, sobretudo quando o que está em jogo são seus desejos e vontades, é o planejamento e execução do assassinato brutal de Marramaque. Esses pensamentos já estavam sendo incubados desde a festa de aniversário de Clara e são alimentados a cada impasse causado pelo padrinho da moça. A total ausência de travas morais se faz aqui absoluta.
Inteirado do que acontecera, vendo os seus planos fracassarem por causa daquele "João Minhoca" e, ainda mais, com a ameaça de ver toda a sua escandalosa vida publicada nos jornais - Cassi encheu-se de fúria má e, na maior fúria, tomou a firme resolução de remover aquele trambolho de "aleijado", que estava sempre estragando os seus planos, com os quais até já tinha gasto bastante dinheiro.” (grifos nossos)