“Meneses pensou ainda nos seus setenta anos desamparados, estéreis, e teve infinita dor de si mesmo, da miséria do seu fim. Que resolver sobre o caso de Cassi e da carta? Sacudiu os ombros e pensou de si para si: Que hei de fazer? As coisas me levaram a isso e...” (grifos nossos)
Meneses é um dentista clandestino, que sofre de hidropsia (retenção de líquido, edema) e de miséria. Filho de pais portugueses, teve sua educação formal interrompida pela metade. Trinta anos de sua vida foram passados a esmo, fazendo bicos aqui e ali para sustentar-se.
“Tudo ele foi; tudo sofreu, mas sempre inquebrantavelmente honesto. Aqui, foi guarda-livros de um armazém; numa fazenda, administrador; num vilarejo, professor das primeiras letras; em certa idade, encontrou um boticário simpático, que se fez seu amigo, lhe ensinou a manipular drogas, também a obturar e limpar dentes, e a passar pequenas receitas.”
Ao reencontrar uma parte perdida de sua família, Meneses acaba por encarregar-se de sua irmã viúva e de seu sobrinho, passando a ajudar nas despesas da casa pobre, com sua profissão de dentista clandestino.
Sua miséria e alcoolismo o fazem uma presa fácil para Cassi Jones, pois apesar de ser um homem honesto e íntegro, a adulação sistemática de Cassi e sua generosidade forjada acabaram encontrando o preço de Meneses, que se corrompe. Ele passa a entregar as cartas de Cassi e de Clara, fazendo vistas grossas ao que obviamente estava se passando. Porém, no caso de Meneses, a miséria fala mais alto do que os escrúpulos.
Ao longo do tempo, o dentista clandestino passa a depender de Cassi, que se mostra generoso e adulador, criando uma falsa sensação de continuidade e disponibilidade.
“No dia seguinte, [Meneses] recebeu a resposta. Entregou-a a Cassi. Assim, durante um mês e tanto, ele foi o intermediário da correspondência dos dois. Já não tinha um movimento de revolta; resignara-se àquele ignóbil papel como a uma fatalidade que o destino lhe impusesse. Contra a força não há resistência, pensou ele; o mais sábio era submeter-se. Não esperava mais que Cassi lhe oferecesse dinheiro, pedia-o. No começo, o violeiro foi satisfazendo inteiramente os pedidos; depois, fazia-o pela metade; por fim, dizia que não tinha dinheiro e não lhe dava nada.
Meneses, porém, continuava passivamente a desempenhar o seu indigno papel. Se não o achava decente, conformava-se diante da sua atroz e irremediável miséria. Não se julgava mais um homem...” (grifos nossos)
Alerta de spoiler
A decadência moral engatilhada pela sua miséria e relação de dependência de Cassi, fazem com que Meneses caia em uma profunda crise existencial, sobretudo em relação a sua hombridade e honra, uma vez que era óbvio o que estava acontecendo devido a sua facilitação do contato entre Clara e Cassi. Essa decadência exacerba-se quando Marramaque é assassinado, fazendo com que o pobre dentista se torne monomaníaco e, por fim acabe falecendo de um colapso cardíaco.
“aquelas meias palavras de Cassi sobre Marramaque, aquele ríctus horrendo que vira certa vez, ao se falar do contínuo, lhe desfigurar a face, eram os pródromos do assassínio do bondoso velho que o violeiro premeditava. O infeliz Meneses passou o dia todo e a noite inteira voltado para dentro de si mesmo. Não sabia mais chorar, mas o seu remorso era intenso. Ele se julgava também cúmplice daquele desalmado. Por que calara o que sabia? Por que se acovardara a ponto de servir de medianeiro? Oh! Ele não era mais homem, não tinha mais dignidade! (grifos nossos)